quinta-feira, 15 de março de 2012

Ministério Público denuncia coronel da ditadura por sequestro no Araguaia

Se for condenado pela Justiça, Sebastião Curió pode pegar até 40 anos de prisão 

 José Henrique Lopes, do R7

 

curió 
Curió, oficial remanescente da ditadura, abre o arquivo secreto 
da Guerrilha do Araguaia, em junho de 2009 (Dida Sampaio/AE)

O MPF (Ministério Público Federal) apresentou nesta quarta-feira (14), na Justiça Federal em Marabá, sudeste do Pará, a denúncia contra o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, pelo crime de sequestro qualificado de cinco ex-integrantes da Guerrilha do Araguaia.

Se for condenado, Curió pode pegar entre dois e 40 anos de prisão.


Maria Célia Corrêa (codinome Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia) estão desaparecidos desde a década de 70, quando foram combatidos pelo Exército.


De acordo com o MPF, os cinco foram sequestrados por tropas comandadas pelo então major Curió, à época conhecido como Dr. Luchini, entre janeiro e setembro de 1974.


Após terem sido levados às bases militares coordenadas por ele e submetidos a grave sofrimento físico e moral, nunca mais foram encontrados, segundo a Procuradoria.

O Ministério Público Federal denunciou Currió por sequestro, um crime permanente, porque as vítimas nunca apareceram e seus corpos jamais foram encontrados.


Por se tratar de um crime permanente, permanece sem solução e passível de punição até que as vítimas apareçam ou seus corpos sejam localizados e encontrados. Desta forma, o caso não poderia ser enquadrado na Lei de Anistia, medida que perdoou os crimes cometidos entre 1961 e 1979, durante na ditadura militar (1964-1985).


Para o MPF, é “irrelevante a mera suspeita de que as vítimas estejam mortas”, pois os corpos não foram resgatados. “O fato concreto e suficiente é que após a privação da liberdade das vítimas, ainda não se sabe o paradeiro de tais pessoas e tampouco foram encontrados seus restos mortais”, diz a ação. “Os restos mortais dessas vítimas sequer foram localizados. Prova material há efetivamente do sequestro e dos maus tratos. Nada mais.”

O Ministério Público lembra, ainda, que em decisões recentes o STF (Supremo Tribunal Federal) ordenou a extradição de militares estrangeiros envolvidos com crimes da ditadura argentina justamente por entender que não havia prescrição – uma vez que as vítimas nem seus corpos haviam aparecido.

A Procuradoria acusa Curió “em razão de sua participação material e intelectual” e pelo fato de que ele é, atualmente, “um dos poucos agentes criminosos que ainda tem o conhecimento atual da localização das vítimas sequestradas”.

De acordo com a denúncia, os sequestros ocorreram durante a última investida do Exército contra a guerrilha, em outubro de 1973. Denominada Operação Marajoara, a ação foi comandada por Curió.

O MPF também contesta o argumento, comumente evocado por oficiais das Forças Armadas, de que a violência empregada na repressão a opositores do regime se legitimaria pela necessidade de preservar a ordem estabelecida.

“As violentas condutas de sequestrar, agredir e executar opositores do regime governamental militar, apesar de praticadas sob o pretexto de consubstanciarem medidas para restabelecer a paz nacional, consistiram em atos nitidamente criminosos, atentatórios aos direitos humanos e à ordem jurídica”, afirma a Procuradoria.

A denúncia é assinada pelos procuradores da República Tiago Modesto Rabelo e André Casagrande Raupp, de Marabá (PA), Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr., de Belém (PA), Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana (RS), Andrey Borges de Mendonça, de Ribeirão Preto (SP), e Sérgio Gardenghi Suiama, de São Paulo.

O processo tramita na Justiça Federal de Marabá e ainda não possui numeração.

OEA

No fim de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), condenou o Estado brasileiro por não ter investigado o desaparecimento de 62 pessoas durante o combate à Guerrilha do Araguaia.

A sentença afirma que a Lei de Anistia, em vigor desde 1979, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, e não pode ser “um obstáculo” que impeça a investigação do caso, bem como a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos. O país também foi condenado devido à aplicação da anistia como um “empecilho”, à ineficácia de ações e à falta de acesso à justiça, à verdade e à informação.

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