O cristianismo anuncia há muito tempo que sua diferença para o judaísmo é que o primeiro é a religião do amor e o último é a religião da lei. A comparação foi feita para colocar o judaísmo em uma posição desfavorável. Todavia, os judeus aceitam esta análise como um elogio mais do que uma crítica.
Para os judeus, uma religião que prega o amor de Deus mesmo para
aqueles que continuam a transgredir tem como certo que homens e mulheres
não podem ser melhores do que são; enfatiza a grande fé da humanidade
em Deus, mas diminui a fé divina na humanidade. Um Deus da lei leva as
pessoas a reconhecerem que suas bênçãos exigem obrigações, que
privilégios carregam responsabilidades e que obedecer às leis é o preço
que pagamos pelo dom de podermos viver aqui na Terra.
Pelo fato de existir um único Deus (Capítulo 1), por termos sido
criados à Sua imagem (Capítulo 2) e por que nos relacionamos com outras
pessoas (Capítulo 3), temos a responsabilidade de sermos verdadeiros com
Deus, conosco e com nossos semelhantes. Um Deus da lei nos ensina como
viver à altura destas responsabilidades, pois afinal de contas a
responsabilidade não é nada mais do que nossa contrapartida à capacidade
de Deus.
Agir está acima de acreditar
O cristianismo, como se diz, é a religião do credo. O Novo Testamento
afirma: “Acredite no Senhor Jesus Cristo e você será salvo.” O judaísmo
é diferente, pois coloca a ação antes da crença. Novamente, pelo fato
de Deus ser um Deus da lei, Ele está mais preocupado com o que você faz do que com o que você pensa.
De acordo com o que Moisés Mendelssohn (1729-1786), filósofo alemão e
erudito bíblico, afirmou, “Não há um único mandamento na lei mosaica do
tipo ‘Acreditarás’ ou ‘Não acreditarás’. A fé não é ordenada; somente
as ações são”.
A Torá é um manual de comportamento, não um catecismo de crenças. A
Revelação no judaísmo significa que Deus disse a Moisés para ensinar ao
povo judeu as 613 Leis (veja o Capítulo 8). O mesmo Deus que retirou os
judeus da escravidão no Egito e compartilhou com eles o valor da
liberdade, agora exige deles que se pautem pela disciplina dos
mandamentos divinos.
Contradição? De forma alguma. Deus quis que os judeus aprendessem
aquilo que o grande historiador norte-americano Will Durant (1925-1981)
afirmou em sua maior lição de história: o ser humano tornou-se livre
quando reconheceu que estava sujeito à lei.
Você pode fazer isso!
As leis só fazem sentido se não fazem exigências impossíveis às
pessoas. Se o homem é um transgressor por inclinação, há inúmeros pontos
que lhe ordenam não transgredir. Contudo, já vimos que o judaísmo
acredita em livre-arbítrio. “O diabo me fez fazer isso” é uma frase
irônica de Flip Wilson, mas não uma desculpa teologicamente aceitável. O
diabo não é o boxeador Mike Tyson; ele não tem poder sobre aqueles que
realmente querem derrotá-lo. Quando Caim, o primeiro assassino
da história, quis usar este argumento, Deus lhe respondeu enfaticamente:
“Na porta jaz o pecado; e a ti (fazer-te pecar), é o seu desejo (do mau
impulso), mas tu podes dominá-lo” (Gênesis 4:7).
Aqui aparece novamente uma grande diferença entre o judaísmo e o
cristianismo. O cristianismo acredita que as leis contidas no Velho
Testamento foram entregues para provar que elas não podiam ser
cumpridas; o homem tinha de ver que não poderia obter a salvação por
conta própria – ou, como afirma o Novo Testamento: “Se a justiça é
mediante a lei, então Cristo morreu em vão” (Gálatas 2:21).
O cristianismo afirma que Jesus teve de morrer para obter o perdão
para os pecados dos homens, pois a humanidade foi incapaz de merecer o
favor de Deus através do cumprimento das leis. A Lei, com todo o rigor
de suas exigências, foi entregue ao homem, pois Deus quis deixar claro
que acredita que “você pode fazer isso!”. Mais do que o homem acreditar
em Deus, o conceito geral da Torá demonstra a ideia de que Deus acredita
no homem.
Ideais cristãos; pecados judaicos
O velho provérbio diz que “a carne de um homem é o veneno de outro
homem”. Uma versão mais moderna é: “valores diferentes para povos
diferentes”. Portanto, além do judaísmo acreditar piamente que o que
Deus criou foi feito para ser aproveitado, considera três preceitos “que
o cristianismo idealiza” como sendo nada menos do que pecados.
O pecado do celibato
Jesus ensinou aos seus discípulos: “Os filhos deste mundo casam-se e
se dão em casamento; mas os que são havidos por dignos de alcançar a era
vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em
casamento” (Lucas 20:34-35). Verdade, o casamento é permitido para os
cristãos. Paulo ainda instruiu os coríntios: “E aos solteiros e viúvos
digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu
vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar
do que viver abrasado” (1 Coríntios 7:8-9). No cristianismo, o casamento
é, no máximo, um compromisso com a união sexual. A verdadeira santidade
é expressa por aqueles que podem viver sob os limites de um voto de
celibato.
No judaísmo, o sexo não é considerado pecado, pois é a fonte de toda a
vida e a vida é sagrada. Tudo o que foi criado por Deus deve ser usado
para um propósito Divino. O ato sexual está incluído naquilo que Deus
criou e viu “que era muito bom”. O casamento é mais do que permitido: é
uma mitsvá, um mandamento Divino. “Portanto deixará o homem a
seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma (só) carne”
(Gênesis 2:24).
Não é verdade, como diz a velha piada, que um descasado é alguém que
não cometeu o mesmo erro novamente. Para os judeus, ele é alguém de quem
deve se sentir pena, pois não percebe que o Paraíso somente é o Paraíso
quando visto por quatro olhos, não por dois. Qualquer um que esteja
solteiro, de acordo com o veredito do Talmud, “vive sem alegria, sem bênçãos e sem bondade”.
O pecado da pobreza
Tevie, o leiteiro, no musical O Violinista no Telhado,
fantasia: “Se eu fosse rico (…)”. No judaísmo, este é um sonho
permitido. O dinheiro não é algo para se envergonhar; e justamente
porque, segundo observou de forma bem-humorada o escritor de língua
íidiche Sholem Aleichem: “Se você tem dinheiro, torna-se sábio e gentil –
e pode até cantar”. O dinheiro permite a uma pessoa cumprir muitas mitsvót.
É claro que, como qualquer outra coisa, pode ser mal-usado. Mas o
dinheiro não é a raiz de todo mal; é a fonte de incontáveis bênçãos
quanto utilizado da forma correta.
O cristianismo idealiza o voto de pobreza. O Novo Testamento diz: “É
mais fácil passar um camelo pelo furo de uma agulha do que entrar um
rico no reino dos Céus” (Mateus 19:23). No judaísmo, a pobreza não é
glorificada como algo bom e a riqueza não é considerada um pecado. “E
Deus abençoou Abrahão com todas as coisas.” Abrahão era um
homem rico. É por isso que ele foi capaz de convidar estrangeiros,
alimentá-los, vesti-los e então aproximá-los de Deus. Um judeu deve
esforçar-se para ter posses. Uma vez que ele as obtenha, deve guiar-se
pela lei judaica para fazer caridade e transformar suas bênçãos em uma
bênção para a humanidade.
O pecado do isolamento
No local onde a Torá foi revelada por Deus ao homem, o Monte Sinai,
fica um monastério cristão. Seus ocupantes fazem um voto para se
isolarem do mundo e nunca deixarem aquele local sagrado. Mesmo após a
morte, seus ossos permanecem em um dos aposentos, de forma a não quebrar
seu compromisso. Os monges afirmam sua dedicação à santidade através de
sua total separação do mundo profano.
A crença judaica foi expressa pelo grande sábio Hilel na Ética dos Pais
2:5 (veja no Capítulo 8): “Não te afastes da comunidade.” A santidade
não é obtida com o isolamento. Deus não quer que nós nos retiremos da
Terra para nos aproximarmos dos Céus; Ele prefere que tomemos os
ensinamentos dos Céus e os pratiquemos na Terra. Não devemos renunciar
ao mundo, mas consertá-lo. Os rabinos dizem que Moisés foi chamado para
subir no Monte Sinai para receber a Torá e, então, levá-la até as
pessoas embaixo. Ficar no alto da montanha é completar somente metade da
jornada. “Conte isso ao mundo” é o slogan judaico para uma vida humana verdadeiramente espiritual.
A vida acima de tudo
No capítulo 4 eu mencionei uma lei interessante: os Cohanim, sacerdotes, são proibidos de terem contato com os mortos. Chamamos isso de chóc
– uma lei sem razão aparente. Não é dada uma explicação, mas posso
compartilhar com você uma possibilidade intrigante à luz da ênfase do
judaísmo a respeito da vida.
Em muitas outras religiões, o principal foco não está na vida, mas na
morte; não neste mundo, mas no mundo vindouro. Os sacerdotes pagãos
concentraram seus esforços em fazer contato com espíritos ou em ajudar
pessoas a enfrentarem o mistério da morte. Imagine o que significou
quando a lei judaica disse que os seus rabis, seus antigos
líderes religiosos, estavam proibidos de ter qualquer contato com os
mortos. Afinal, o que era esperado que fossem as suas funções?
Obviamente, lidar com a vida. No judaísmo, Deus diz à humanidade: “Meu
reino é deste mundo.” Viva bem sua vida neste mundo e o que virá depois não deve preocupá-lo por enquanto.
Extraído de O MAIS COMPLETO GUIA SOBRE O JUDAÍSMO, de Benjamin Blech.
